Existe em toda e qualquer sociedade infinitas formas de preconceitos
que refletem ideias, opiniões e sentimentos embasados em um julgamento prévio
desfavorável, intolerante e sem qualquer exame crítico. Infelizmente, todo ser
humano já vivenciou alguma forma de preconceito, porém isso não representa que
estará imune perante novas e futuras situações.
Diariamente é possível encontrar inúmeras campanhas e manifestações que
combatem o preconceito. Entretanto, existe um que apesar de ser bastante
difundido e praticado socialmente quase sempre fica a margem desta luta: o
preconceito linguístico, o qual possui como alvo as variedades
linguísticas.
Para melhor compreender esta forma de preconceito é importante explicar
que o sistema linguístico não é único, ou seja, existem variadas formas de fala
entre os membros de uma mesma língua e são estas diferenças que chamamos de
variedades [1]linguísticas.
Exemplo: em SP os falantes dizem “mandioca”, a qual é conhecida por “aipim” no
RJ e “macaxeira” na região Nordeste. Assim neste simples exemplo foi possível
mencionar três falares distintos para um mesmo alimento.
A educação tradicionalista impõe que a gramática normativa, é a única
forma correta de uso da língua e que o aluno deve pronunciar uma palavra da
mesma forma que ela é escrita, assim as variedades linguísticas, tornam-se o
alvo do preconceito linguístico, por não utilizarem a norma padrão. De acordo
com a obra O Preconceito Linguístico do autor [2]Marcos Bagno,
temos:
“(...) o preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogadas nos dicionário.” (BAGNO, 2009, p. 56).
Estamos diante de um grave problema, pois o preconceito linguístico além
de culminar em situações humilhantes e vexatórias, ocasiona ainda um processo
de segregação social entre os falantes das variedades prestigiadas (são os que
possuem um elevado poder econômico e alto índice de escolarização) e os das
variedades linguísticas (os analfabetos ou semianalfabetos, os moradores das
periferias das cidades, das zonas rurais e os falantes que fazem parte das
classes sociais menos favorecidas economicamente).
Entretanto, é importante salientar que também os falantes das variedades
prestigiadas, não falam seguindo exatamente todas as regras gramaticais, por
este motivo que o preconceito linguístico direcionado aos falantes das
variedades linguísticas é um absurdo. Afinal não existe o certo e o errado no
processo de uso da fala, mas sim o uso da norma padrão e o da norma não padrão.
Todavia, é importante salientar que:
“(...) é claro que é preciso ensinar a ortografia oficial, mas não se pode fazer isso tentando criar uma língua falada ‘artificial’ e reprovando como ‘erradas’ as pronúncias que são resultado da história social e cultural das pessoas que falam a língua em cada canto do Brasil.” (BAGNO, 2009, p. 69).
Para um aluno conseguir adquirir qualquer forma de aprendizado, seja
sobre a gramática normativa ou qualquer outra matéria, é necessário que ele
utilize a linguagem que possui para se comunicar e expor suas dúvidas ao
educador. Também um professor que apenas utilize a norma culta e palavras de
cunho técnico com seus alunos, não conseguirá auxiliar aqueles que não estão
familiarizados com esta linguagem, a adquirirem o conhecimento que está
sendo-lhes oferecido. Vale comentar também que se um aluno for sempre criticado
e discriminado pela maneira ou pelo sotaque com que fala, é certo que aos
poucos ele deixará de participar oralmente das aulas rompendo desta forma o
vínculo de comunicação com seus colegas e com o professor, obstruindo assim o
processo de ensino-aprendizagem.
O importante não é apenas entender o que é o preconceito linguístico,
mas sim combater a ignorância e a discriminação geradas por ele, com o objetivo
de encerrar esta prática e atitude constantes entre os membros de uma
sociedade. Afinal, ao desrespeitarmos e desvalorizarmos a linguagem de um
falante, não estamos apenas calando uma voz, mas também excluindo um cidadão e
ofendendo sua identidade.
[1] Linguística é a
ciência que estuda a linguagem e as línguas.
[2] O autor Marcos Bagno
é tradutor, escritor, linguista, Doutor em Filologia e Língua Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP) e Professor de Linguística do Instituto de
Letras da Universidade de Brasília.
*Pinturas de Barbara Jaskiewicz
*Pinturas de Barbara Jaskiewicz
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